Burocracia é o maior desafio da cabotagem no Brasil, diz presidente da ABAC
Para Cleber Lucas, projeto possibilita uma abertura excessiva do mercado, sem levar em consideração investimentos já realizados pelas empresas, gerando desiquilíbrio do setor
A necessidade de equilibrar a matriz de transporte e desburocratizar a atividade portuária são as questões mais debatidas no Projeto de Lei 4199 de 2020, o BR do Mar. Recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados, o programa de incentivo à cabotagem no Brasil não vem agradando a todos os empresários do setor marítimo e esbarra em diversos pontos, como a insuficiência de linhas, preço do frete, alto custo do combustível, infraestrutura, legislação trabalhista e ambiental, além da burocracia portuária.
Em entrevista exclusiva para a Revista SINCOMAM, o diretor-presidente da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (ABAC), Cleber Lucas, relatou sobre os principais desafios da navegação por cabotagem no país e que as entraves do setor implicam no equilíbrio das empresas prestadoras de serviços.
“Hoje as empresas assumem a burocracia na oferta do serviço, mas isto é um grande ônus que precisa ser solucionado para que a multimodalidade exista de verdade e não apenas no papel. Outro desafio é fazer com que a legislação seja efetiva, como a questão do combustível que é sobretaxado pelo ICMS, enquanto a lei diz que deve ser o mesmo do longo curso. Muitos estudos têm sido feitos pelo Governo nos últimos anos e concluem sempre pelos mesmos problemas, para o aumento da competitividade da cabotagem e maior utilização do modal em benefício do equilíbrio da matriz de transportes, porém nenhuma ação é tomada”, disse Cleber Lucas.
Revista SINCOMAM – O projeto do Governo referente ao Programa de Incentivo à Cabotagem, tem gerado rejeição e resposta negativa por parte de algumas empresas. Como o senhor avalia as medidas propostas neste projeto?
Diretor-presidente da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (ABAC), Cleber Lucas – O Governo ao apresentar o PL 4199/2020 sob a justificativa de incentivo à cabotagem atingiu alguns temas muito importantes para as empresas que já operam na atividade e que nos últimos 10 anos, investiram mais de R$ 5 bilhões em navios. O Ministério da Infraestrutura teve a iniciativa de tomar ações e ao discutir o assunto com os envolvidos, teve enorme interferência do Ministério da Economia com a adoção de um viés liberal que não cabe na atividade de cabotagem, como tem sido adotado por inúmeros países que possuem as conexões marítimas domésticas disponíveis, como é o caso do Brasil.
O resultado disso é o PL 4199 que podemos dividir na criação do Programa BR do Mar, ao qual as empresas brasileiras de navegação poderão optar pela adesão gerando a possibilidade de afretar navios a tempo, em proporção a ser determinada da frota própria da empresa brasileira. Isto teria como proposito reduzir o custo operacional das empresas brasileiras, aproximando do custo das embarcações de bandeira estrangeira. Estas embarcações a serem afretadas devem ser de propriedade ou posse de subsidiária no exterior da empresa brasileira de navegação e tem o intuito de reduzir o número de embarcações de bandeira estrangeira que, de forma legal, atendem os usuários pela indisponibilidade de embarcação de bandeira brasileira e sem gerar nenhum posto de trabalho para brasileiros.
Como as embarcações afretadas a tempo poderão permanecer períodos mais longos operando na cabotagem o PL trouxe a inovação de impor que 2/3 dos tripulantes devam ser brasileiros contratados pela empresa estrangeira e atendendo o regime da bandeira do navio. Esta inovação que garante a geração de empregos a brasileiros não incomoda os armadores brasileiros, porem reveste-se de enorme insegurança jurídica e que deverá motivar inúmeros processos judiciais requerendo os diretos trabalhistas brasileiros que inviabilizará a adesão ao Programa BR do Mar.
Para reduzir os custos operacionais das empresas brasileiras, entendemos que certamente será necessário passar pelas questões trabalhistas devendo ser destacado que de acordo com a prática atual, o transporte na cabotagem com navios estrangeiros não gera empregos para brasileiros, e a possibilidade de gerar novos empregos é benvinda, porém há que ser perseguido a redução de custos para as empresas brasileira e não o salário que os marítimos recebem.
A segunda parte do PL traz alterações significativas na legislação (Lei nº 9.432/97) ao liberar e viabilizar o estabelecimento de empresas brasileiras de navegação ser ativos (navios), o que vemos como uma concorrência desigual a empresas que fizeram investimentos elevados como já mencionado frente a outras que poderão atuar como especuladores do mercado de cabotagem e saírem com a mesma facilidade que entram no mercado, causando enorme impacto na credibilidade do modal da cabotagem.
A nosso ver as empresas que rejeitam o PL parece ser aquelas que estão operando exclusivamente na excepcionalidade da legislação atual e de forma mais danosa ainda sem gerar nenhum emprego a brasileiro, mas usando mote da concorrência. Tendo em vista a especificidade do tema, naturalmente os parlamentares são muito influenciados pelo que ouvem, mas temos certeza que farão as devidas averiguações para entender o problema e fazer ajustes no PL.
R.S. – O que causa maior desequilíbrio nas condições de operação das Empresas Brasileiras de Navegação (EBNs) (EBNs?
Cleber Lucas – Como indicado na pergunta 1, o PL ao alterar a lei nº 9432/97 possibilita pela nova definição de Empresa Brasileira de Navegação (EBN), que possam obter outorga da ANTAQ sem a propriedade de nenhuma embarcação brasileira, o que é um grande desequilíbrio com as empresas que fizeram investimentos vultosos (mais de 5 bilhões de reais). Acreditamos que o aumento do número de empresas (se surgirem novas empresas, pois o PL não cuida de aumentar a demanda da cabotagem) deve ser em igualdade de competição (inclusive de investimentos), o que deve ser feito no mínimo por uma regra de transição compatível com o volume de investimentos já realizados.
R.S. – O senhor acredita que o programa BR do Mar trará crescimento para a indústria naval brasileira, em especial no segmento de manutenção e reparos?
Cleber Lucas – Como representante dos armadores não seria o caso de falar da indústria naval, mas com o crescimento do número de embarcações operando regularmente na costa brasileira, temos forte sensação de que os segmentos de manutenção e reparos crescerão, pois, deslocar o navio para estaleiros fora do Brasil é sempre muito oneroso.
R.S. – O problema da cabotagem pode estar relacionado a falta de embarcações nacionais?
Cleber Lucas – Não há falta de embarcações e quando ocorre a legislação estabelece a regra para que possam ser afretadas, de forma excepcional. Infelizmente esta ideia de falta de embarcação foi gerada no passado e devido às crises passadas tem sido uma luta constante em mostrar que temos frota brasileira para atender a cabotagem, e que deveríamos olhar um pouco mais longe e pensar em ter maior presença da bandeira brasileira no longo curso também.
Fonte: SINCOMAM/Margarida Putti