Estaleiro Paraguaçu: Restam pouco mais de 300 empregados no vazio da Enseada
O gigante de 140 metros pode ser visto da Cidade Baixa, em Salvador. Inativo, aparenta ser apenas uma imensa trave de ferro. Mas deveria ser o coração da Enseada Indústria Naval, em Maragojipe, no Recôncavo. Apesar de estar de pé, o Goliath, mais alto guindaste da América Latina e um dos mais fortes do mundo, mantêm-se parado como o símbolo mais triste e fiel do atual momento de crise da indústria naval baiana.
Sem 6,7 mil funcionários, demitidos após a crise financeira intensificada com a Operação Lava Jato, da Polícia Federal, o canteiro da Enseada é hoje um imenso vazio de 1,6 milhão de metros quadrados. Encontrar um dos pouco mais de 300 trabalhadores que ainda restam no empreendimento, que tem 82% de suas obras concluídas, é tarefa difícil.
Autorizado pela direção, o CORREIO entrou na empresa para ver de perto quem são os últimos “golias” a carregar nas costas um investimento que atingiu R$ 2,7 bilhões e que deveria chegar a R$ 3,2 bilhões. Boa parte desses funcionários atua justamente na manutenção do Goliath Crane (Guindaste Golias, em inglês). “Temos hoje 50 funcionários para a preservação constante do Goliath. Ele é o coração do Estaleiro”, confirma Mário Moura, gerente industrial da Enseada.
Do tamanho de um prédio de 50 andares, trata-se de um dos poucos guindastes no mundo a conseguir içar os chamados megablocos, que formam os módulos que compõem os navios sonda, capazes de explorar o pré-sal. “O Goliath é uma obra de construção civil pesada de alta complexidade”, explica Moura.
Quem ainda trabalha na manutenção do equipamento, mesmo após as demissões, se sente privilegiado. Apesar disso, contam como fora da empresa o sentimento é de tristeza e impotência. “A verdade é que estamos trabalhando em clima de enterro. Como vamos trabalhar bem sabendo que nossos companheiros estão sem emprego?”, afirma o técnico de estruturas Claudionor Santana, 42, morador de São Roque do Paraguaçu, casado e pai de três filhos. “Devo o sustento da minha família ao Goliath”, diz.
Para colocar completamente de pé o Goliath, a Enseada precisou de quase um ano – entre maio de 2014 e fevereiro de 2015. Um trabalho que envolveu 300 pessoas de cinco nacionalidades. Quatro navios trouxeram as peças do gigante. Na semana em que as suas duas pernas seriam unidas ao corpo, um documentário foi produzido para registrar o momento mais importante da construção do Estaleiro.
A ação era tão complexa que três estações meteorológicas foram instaladas para prever tempo e força dos ventos. “Foi ali puxando na raça, foi indo, indo… entrou perfeito”, comemorou, quase chorando, Jacques Raigorodsky, engenheiro que coordenou a montagem. “Vai trazer muito emprego para muita gente”, previu, sem saber o que estava por vir.
Ontem, Jacques mantinha o otimismo. “Pessoalmente, creio que as autoridades conseguirão reequacionar e replanejar a exploração do pré-sal”. É que, para quem botou o Goliath de pé, a crise é superável. “Nossa esperança está aqui na nossa frente. Nossa esperança é o Goliath”, explica o engenheiro Damon Oliveira.
Cursos
Mas a Enseada não é só o Goliath. Os galpões onde foram instaladas as oficinas ficam ainda maiores quando vazias. “Tudo aqui é pequenininho, né”, brinca o engenheiro. Muitos dos funcionários demitidos chegaram a fazer cursos no Japão, fruto de uma parceria com a Kawasaki, uma das acionistas da Enseada, com 30% das ações.
Um total de 78 trabalhadores recebeu qualificação técnica. Se tornaram mestres. Um deles, Jailson Pedreira, 34, de Salinas da Margarida, ainda está empregado. Sozinho na Oficina-6, um galpão de 40 metros de pé-direito onde se dá o início do processo fabril dos navios, ele dá graças por ter ficado, já que a mulher está grávida. “Mas a gente fica triste pelos colegas”, comenta Jailson, que opera as máquinas de corte das chapas.
Ainda sem a ajuda do Goliath, que vai passar pela fase de testes, a Enseada Indústria Naval conseguiu produzir os “top sides” (os módulos que formam a parte de cima da embarcação e toda a tecnologia) de dois navios. Eles foram batizados de Ondina e Pituba. Os cascos vieram da China. Equipada com pontes rolantes automatizadas por onde caminham as chapas de aço, a Enseada conseguiria produzir navios como se montasse brinquedos.
“É como o Lego. Mas cada chapa dessa tem muita tecnologia envolvida”, diz o engenheiro. Os 18% que ainda não estão prontos no Estaleiro dizem respeito à finalização de algumas oficinas, a instalação de equipamentos, a finalização do dique-seco e o comissionamento do Goliath.
1 – Comércio e hotéis parados
Em Maragojipe, os comerciantes calculam uma queda de 80% nas vendas. Assim como em Salinas. Em Nazaré, pelo menos 40%. Um casal que é dono de lojas de móveis, roupas e calçados chegou a construir um hotel só para receber funcionários do estaleiro em Maragojipe. Os mais de 60 quartos tinham ocupação de 90% o ano inteiro. Hoje, não chega a 10%.
2 – Pousadas fechadas
Pousadas e hotéis, antes com 100% de ocupação, fecharam as portas em São Roque, ao lado da Enseada. O proprietário da Pousada Ponto 10 investiu R$ 1,5 milhão na ampliação do estabelecimento em mais de 70 quartos. Quando soube das demissões, Manoel dos Santos, o Bira, teve um infarto. Sobreviveu.
3 – Obras desaceleram em Nazaré
Com a vinda do Estaleiro para Enseada, um grupo espanhol resolveu investir R$ 10 milhões na região. A construtora G3 iniciou a construção em Nazaré de um condomínio de luxo. Parte das 1,6 mil casas seria para os executivos da indústria. “Tivemos que desacelerar”, diz Leonam Torres, diretor de relações públicas. O projeto inclui 100 mil metros de área verde e até um shopping.
4 – Microempresário construiu clube
Até mesmo um clube visando os ‘sócios’ da Enseada foi erguido bem próximo ao povoado de São Roque. Dono de uma pousada com 255 quartos, João Mário Dias, o Coscoba, investiu R$ 8 milhões no lazer dos trabalhadores. O Clube Palmeiras, com piscina, campo de futebol e churrascaria chegou a encher nos finais de semana. Hoje, vive vazio e se afunda em dívidas. A pousada Coscoba teve que fechar.
5 – Até prostíbulo encerrou atividades
Nem o bordel resistiu ao arrefecimento da economia local. As garotas de programa simplesmente sumiram do “Brega Skol”, como os locais chamavam o estabelecimento. Muitos funcionários do Estaleiro frequentavam o lugar. “Até os coreanos gostavam. De noite, as prostitutas só queriam saber deles. A gente nativo tinha que ir lá de dia para conseguir alguma coisa”, afirmou um morador de São Roque, que preferiu não se identificar.
Fonte: Correio da Bahia/Alexandre Lyrio