Exploração de óleo e gás ganha senso de urgência
Preço em alta ajuda na retomada das campanhas exploratórias em meio a cenário de preparação das empresas para transição energética
A interrupção imediata da perfuração de novos poços de petróleo, sugerida pela Agência Internacional de Energia (AIE) como forma de assegurar os cortes de emissões previstos no Acordo de Paris, reforça o senso de urgência na indústria de óleo e gás sobre a necessidade de busca de novas descobertas, antes que a demanda comece a recuar. Embora a moratória tenha sido recebida mais como um gesto simbólico de pressão sobre governos e petroleiras e menos como um risco real ao setor, a percepção no mercado é de que a transição energética se tornou um caminho sem volta e que a janela de oportunidade para exploração se fechará em algum momento.
A expectativa, no entanto, é que as atividades no Brasil ganhem impulso nos próximos anos, diante da recuperação gradual dos preços do barril. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) projeta investimentos de R$ 6,5 bilhões em exploração de óleo e gás no Brasil em 2021.
São estimados 19 poços offshore (em mar) para este ano, número ainda baixo mas quase quatro vezes superior às cinco perfurações de 2020, quando as campanhas foram prejudicadas pelo choque de preços da commodity e pelas restrições nas atividades a bordo ante a pandemia de covid-19.
Entre as operadoras com projetos previstos para este ano estão Petrobras, Shell e ExxonMobil. Depois de um investimento maciço das grandes petroleiras nos leilões dos últimos anos, é hora de começar a perfurar as áreas adquiridas.
ANP estima ao menos R$ 6,5 bilhões de investimentos em exploração de óleo e gás no Brasil neste ano.
Para o coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo (Ineep), William Nozaki, há sinais de que haverá uma aceleração nas atividades exploratórias no Brasil, como reflexo do sucesso dos grandes leilões ocorridos desde 2017. Segundo o pesquisador, o sucesso das petroleiras no processo de transição energética está atrelado, justamente, à capacidade das companhias de renovarem suas reservas.
“Esse novo aumento do preço do petróleo torna improvável que essa recomendação da AIE, de suspensão da perfuração de novos poços, seja seguida”, diz. “É inexequível imaginar a transição energética sem o papel da indústria petrolífera. É o petróleo que está financiando a maior parte dessa transição”, acrescenta.
Nesse sentido, a consultoria Rystad Energy destaca que as reservas provadas de óleo e gás das chamadas “Big Oil” (grupo formado pela ExxonMobil, BP, Shell, Chevron, Total e Eni) têm caído a um ritmo alarmante e que as companhias não têm conseguido repor os volumes produzidos com novas descobertas. Os níveis de reservas dessas empresas caíram 15% em 2020. No Brasil, segundo a ANP, o recuo foi de 6,7% no ano passado.
“Se as reservas não forem altas o suficiente para sustentar os níveis de produção, as empresas terão dificuldade em financiar projetos caros de transição energética, resultando numa desaceleração de seus planos de energia limpa”, opina o vice-presidente de pesquisa de exploração e produção da Rystad, Parul Chopra, em relatório.
A consultoria cita que os volumes descobertos pela indústria global no primeiro trimestre, de 1,2 bilhão de barris de óleo equivalente, foram os menores em sete anos. Essa dificuldade de repor reservas se dá num contexto em que o orçamento das petroleiras foi enxugado após o choque de preços de 2020. Segundo a Rystad, os investimentos projetados para exploração e produção para o biênio 2020-2021 caíram 27% desde a eclosão da pandemia.
A consultoria prevê que, embora devam começar a aumentar lentamente a partir de 2022, os gastos das petroleiras não atingirão os níveis pré-pandemia, de US$ 530 bilhões, pelo menos até 2025 – horizonte limite da projeção.
Com menor capital disponível e expectativa de redução da demanda por petróleo nas próximas décadas, atrair investimentos para exploração será uma missão cada vez mais dura para os países. O pré-sal brasileiro, no entanto, está bem posicionado nessa disputa global.
O presidente da Chevron Brasil, Mariano Vela, disse que o “tamanho das oportunidades do Brasil é algo muito atrativo” e que os ativos do pré-sal estão no “topo dos rankings mundiais” em potencial de descobertas de recursos. “A transição energética existe, mas para a Chevron é importante reconhecer que o óleo e gás continuarão sendo muito importantes por várias décadas. É importante reconhecer que, no Brasil, a oportunidade existe e que janela ainda está aberta”, afirmou, em evento on-line.
O presidente da Shell Brasil, Andre Araujo, também se diz otimista quanto à atratividade da indústria petrolífera brasileira. O executivo, porém, defende que as grandes petroleiras buscarão locais onde as regras são “estáveis e claras” e que é importante que o país garanta condições de competitividade.
“A medida em que chegarmos a um pico de petróleo e a demanda começar a reduzir, não significa que o petróleo vai ser eliminado. Alguém vai sair desse mercado primeiro e alguém vai ficar por último. Não temos bola de cristal para saber que lugar vai deixar de ser competitivo em primeiro lugar, mas o Brasil tem condições de ser um dos últimos”, comenta.
O pesquisador do Instituto de Energia da PUC-Rio, Edmar Almeida, afirma que o pré-sal brasileiro é menos intenso em carbono e que, por isso, pode ser atraente para as grandes petroleiras na transição.
“Por ter uma produtividade muito alta, os campos do pré-sal gastam menos energia para produzir um barril e têm um indicador de emissões baixo. Acredito que a questão das emissões vai ser considerada de forma importante na hora da decisão de investimentos para reposição de reservas.”
Mesmo diante de seu alto potencial, o pré-sal, contudo, não é garantia de bilhete premiado. Vale lembrar que a Petrobras decidiu, após uma campanha malsucedida, devolver a área de Peroba, no pré-sal da Bacia de Santos, adquirida em 2017. Este é, oficialmente, o primeiro fracasso exploratório entre os blocos leiloados pelo regime de partilha desde a retomada das rodadas do pré-sal nos últimos anos, mas pode não ser o único caso. A Shell também não teve sucesso na primeira campanha em Saturno, arrematado em 2018.
Na avaliação de Almeida, as grandes petroleiras globais tendem a ser mais seletivas nos próximos leilões no Brasil. Para ele, trata-se de um processo natural, independentemente do processo de transição energética em curso, porque as multinacionais já estão com carteira cheia de ativos no país, sobretudo no pré-sal. Segundo o economista, mesmo que as grandes petroleiras sejam mais moderadas, a tendência é que novas empresas surjam no mercado.
“A transição energética muda as estratégias das empresas e isso pode gerar uma mudança no perfil das companhias que vão se engajar mais na exploração daqui para frente. A tendência é que o papel das empresas independentes ganhe relevância maior”, disse.
Fonte: Valor
Foto: divulgação