Fretes: para onde irão?
Nesses dois últimos anos alguns dos temas mais recorrentes no setor de transporte marítimo têm sido: falta de contêineres, falta de espaço nos navios, portos congestionados, navios descumprindo suas programações, fretes altos e lucros recordes dos armadores.
Muitos usuários de transporte marítimo, com seus resultados financeiros afetados pela disparada dos custos logísticos (frete, armazenagem, demurrage/detention, etc), naturalmente passaram a clamar por intervenções das autoridades, levantando dúvidas sobre quanto desse quadro caótico pode ser atribuído aos armadores e até mesmo acusando-os de estarem manipulando o mercado para estender sua bonança.
A situação ficou tão tensa nos últimos meses que levou o Congresso norte-americano a propor uma revisão de sua legislação marítima e, ainda, fez o presidente Biden instituir uma Força-Tarefa para tentar resolver as interrupções nas cadeias de suprimentos, levando o FMC (Federal Maritime Commission) a dar início a um estudo chamado “fact finding 29”, para avaliar os problemas com o transporte marítimo e uma possível responsabilização dos armadores pelo caos logístico.
Na última semana de maio, o FMC liberou o resultado de sua investigação, ao contrário do que Joe Biden vem recorrentemente dizendo: “As políticas de preços dos armadores são resultado das forças de oferta e demanda e a causa dos altos fretes é a alta demanda dos consumidores, Covid 19 e os consequentes congestionamentos”. A Comissária responsável pelo estudo ainda apontou que: “Embora a quantidade de armadores servindo o mercado americano tenha decrescido de 20 em 2015 para 11 em 2022, o mercado não é concentrado (ou minimamente concentrado) e a competição entre os players é vigorosa”. No entanto, a comissária recomendou a necessidade de medidas regulatórias mais detalhadas quanto ao “demurrage/detention”.
Corroborando o entendimento do FMC está o HHI (Herfendahl-Hirshman Index), indicador utilizado para medir a concentração de mercado, que considera um mercado altamente competitivo quando o índice oscila entre 100 e 1.500, enquanto entre 1.500 e 2.500 sinaliza uma concentração de mercado moderada e, acima de 2.500, um mercado altamente concentrado.
Ao aplicar o HHI sobre os 10 maiores armadores do mundo (em termos de capacidade), encontra-se um índice de 1.408 pontos, sugerindo uma “indústria não concentrada”, apesar da forte consolidação observada nos últimos anos. Aplicando-se o mesmo índice sobre os três grandes consórcios que atuam nos tráfegos leste x oeste: 2M (Maersk e MSC), Ocean Alliance (COSCO, CMA CGM, Evergreen) e The Alliance (ONE, Hapag Lloyd, HMM, Yang Ming), também não se verifica concentração de mercado na rota do Extremo Oriente para os Estados Unidos: índice HHI é 1005 pontos (mkt share Maersk: 17%, COSCO: 16,3% e CMA CGM: 15,7%).
Já o tráfego da Ásia para a Europa se mostra “levemente concentrado”, com o índice HHI chegando a 1.510 pontos (mkt share MSC: 21,6% , Maersk: 19,4% e COSCO: 17,6%).
Mas se não há concentração de mercado e a competição é vigorosa, por que os fretes dispararam e estão demorando a ceder, mesmo com o prolongado lockdown no maior porto do mundo? Porque nem a redução por dois meses da produção/embarque em Xangai não foi suficiente para eliminar os gargalos nos principais portos dos EUA e, principalmente, da Europa. Atualmente, os congestionamentos consomem 10% da exaurida oferta de capacidade mundial (versus 12,5% em fev.22), de acordo com a SeaIntel. Além disso, é fato que os armadores estão lidando de forma mais ágil com esses “choques de demanda”. Ou seja, faltou carga, cancelam ou atrasam as viagens (exatamente como no início da pandemia) e, com isso, os fretes demoram mais a cair (na rota China > Brasil a SOLVE identificou 6 viagens canceladas/adiadas durante o lockdown em Xangai).
Mas qual é a expectativa para o frete? Depende!
Uma pesquisa recente realizada pela Container Xchange revelou que 51% dos agentes de carga, traders e embarcadores esperam um caos maior no próxima “high season” (de julho a outubro), quando comparado com o mesmo período de 2021.
Por outro lado, alguns especialistas, dentre eles Lars Jensen, acreditam que será necessário observar o comportamento do mercado nas próximas semanas, para entender sua real tendência.
Projeções do FMI sugerem que a alta dos fretes pode aumentar a inflação global em 1,5% em 2022, porém já há sinais de um retorno da demanda a níveis pré-Covid. O volume total movimentado pelos TOP 8 armadores atingiu 103,6 Mteu no acumulado de 2022, apenas ligeiramente acima dos 102,9 Mteu registados no mesmo período de 2019 (último ano sem os efeitos da pandemia). Vale ainda considerar nessa equação a queda de 1,5% no PIB dos EUA no último trimestre (que pode ser apenas reflexo da redução dos estímulos econômicos).
Ou seja, há vários cenários possíveis: A abertura de Shangai redundará numa enxurrada de navios rumo aos EUA e Europa, ou não? Esse volume de carga represada se juntará à formação de estoque de natal, Black Friday, “thanks giving” (o chamado “high season”) ou o apetite do consumidor por bens de consumo estaria arrefecendo devido a inflação, alta de juros e retomada dos gastos com viagens, entretenimento, lazer? Os congestionamentos voltarão a crescer?
O certo é que, se nos próximos dois/três anos a demanda mantiver seu crescimento médio histórico pós-crise de 2.008 (5% a.a), nem um orderbook (encomendas de novos navios) já próximo de 30% da capacidade atual deve forçar os fretes muito pra baixo já que:
• Os congestionamentos continuarão consumindo parte da capacidade global;
• Os principais custos dos armadores também subiram muito (afretamento, combustível, equipamentos, etc.);
• A pandemia fez os armadores “esticarem” o tempo de vida de muitos navios antigos e ineficientes, que serão sucateados tão logo a demanda arrefeça, sobretudo em razão da IMO2023;
• Será necessário recompor a capacidade de navios ociosos do mundo (historicamente oscilando em torno de 8%), para que esses voltem a ser usados como extraloaders (no high season) ou em substituição de navios em manutenção;
Se, por outro lado, o mundo estiver realmente entrando num período de estagflação, a demanda global pode arrefecer, os congestionamentos podem diminuir e os fretes poderão perder um pouco de fôlego, apesar da mencionada necessidade de recomposição da frota de navios ociosos e dos navios a serem sucateados.
Em outras palavras, nos próximos dois/três anos não seria prudente pensar em fretes retornando aos níveis pré-pandemia sem associar a isso uma recessão global (o que não é bom para ninguém) e/ou uma nova disparada ainda maior nas encomendas de novos navios (pouco provável após a última década de overcapacity e prejuízos dos armadores), lembrando que os armadores já demonstraram como usar os Blank Sailings para não voltar ao “vermelho”.
Com o cenário ainda bastante incerto (a China pode, por exemplo, decretar outros lockdown e/ou a Guerra na Ucrânia pode tomar novos contornos/dimensões) para ambas as partes, certamente o momento é de “baixar as armas” e (re)construir pontes entre donos de navios e donos/agentes da carga, por meio de contratos equilibrados e “gatilhos” justos para ambas as partes.
Fonte: Portos e Navios