Indústria de petróleo ameaça ir à Justiça se ANP flexibilizar regras de conteúdo local

Indústria de petróleo ameaça ir à Justiça se ANP flexibilizar regras de conteúdo local

Entidades que representam a indústria brasileira se preparam para acionar a Justiça caso a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) flexibilize as regras de conteúdo nacional para os contratos já assinados para exploração de petróleo e gás no país. Em audiência pública realizada no Rio, as discussões sinalizam, no entanto, que há possibilidade de acordo.

A audiência pública realizada pela ANP buscou debater a proposta de perdão das multas por descumprimento de conteúdo local (waiver, no jargão do setor) além de tornar retroativa aos contratos firmados entre a 7ª e a 13ª rodadas de licitações de campos exploratórios as regras definidas para a 14ª rodada, realizada este ano.

Até a 13ª rodada, as normas previam a aplicação de até 65% de conteúdo local nos projetos. Para a 14ª rodada, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) reduziu em mais da metade este percentual.

Representando parte do setor produtivo na audiência pública, a advogada Daniela Santos afirmou que retroagir as regras de conteúdo local a contratos já firmados “é ilegal e extrapola a competência do regulador”, além de “prejudicar a toda a cadeia produtiva”.

A advogada falou em nome do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), da Associação Brasileira das Empresas de Construção Naval e Offshore (Abenav) e da Construtora Queiroz Galvão.

Segundo ela, o “waiver é uma exceção, a regra é o cumprimento do conteúdo local”.

Daniela lembrou que a resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) que alterou as regras de conteúdo local não permite que as novas diretrizes sejam aplicadas de forma retroativa. Ela afirmou, ainda, que “alterar cerca de 700 contratos não gera segurança jurídica em nenhum lugar”.

Ao G1, o vice-presidente do Sinaval, Sérgio Bacci, disse que a retroagir as regras aos contratos já celebrados vai lesar as empresas que investiram em conteúdo local, já que podem ter feito contratações a preços mais altos para garantir o cumprimento da normal, bem como aquelas que foram multadas. “A questão é: elas serão ressarcidas?”, questionou.

Segundo Bacci, a judicialização da questão “não é uma ameaça”, mas uma realidade. Ele afirmou que as questões jurídicas para uma possível ação judicial já estão sendo trabalhadas pela indústria nacional.

“Se sai a resolução, no dia seguinte já temos que apresentar a ação”, disse.

O executivo ponderou, no entanto, que “o melhor para o país” é um acordo que equilibre as demandas tanto da indústria, quanto das empresas fornecedoras, quanto do governo.

“Judicializando uma questão dessa, ao invés de destravar investimentos, vai travar ainda mais. Porque uma liminar de um juiz para um caso desses vai demorar anos e anos para se resolver”, avaliou.

Bacci avaliou como positivos os debates ocorridos durante a audiência pública, pois a maioria das falas converge para o estabelecimento de um meio termo na discussão.

“Todos os atores deixaram claro que é possível o diálogo, é possível a gente construir uma solução que atenda a indústria do petróleo e os fornecedores”, ponderou o executivo sem deixar de reiterar que “em não tendo acordo, a indústria nacional vai judicializar”.

A ANP não se pronunciou a respeito. Já o Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP) avaliou faz parte da democracia a judicialização de qualquer questão quando uma das partes se sente lesada. No entanto, enfatizou a necessidade de se flexibilizar as regras para destravar investimentos no setor.

“Todo mundo diz que a regra existente não gerou resultado e que ela não é factível de ser cumprida. Ela tem uma ambição correta de desenvolver a indústria nacional, e isso é inegável, mas o que ela acabou gerando como resultado, devido à falta de calibragem da política, é que não gerou projetos”, disse o secretário-executivo de E&P do IBP, Antônio Guimarães.

Projetos travados

Em sua exposição durante a audiência pública, o IBP deixou claro ser favorável à aprovação de waiver e aplicação das atuais regras de conteúdo local a contratos já assinados como forma de garantir a retomada de projetos do setor no país.

Segundo o secretário-executivo de E&P do IBP, Antônio Guimarães, os resultados positivos da 14ª Rodada de Licitações realizada na semana anterior comprovam a “decisão acertada” do governo em alterar as regras de conteúdo local.

Embora apenas 13% dos blocos exploratórios disponibilizados no leilão terem sido arrematados, o bônus de arrecadação (R$ 3,8 bilhões) foi recorde entre as rodadas já realizadas pela ANP.

Conforme dados apresentados pelo IBP, desde 2011 já foram feitos 230 pedidos de waiver, sendo que a maioria ainda está pendente de decisão. As multas aplicadas neste período somam cerca de R$ 600 milhões somente na fase de exploração – a parte de produção ainda não foi fiscalizada.

Para o instituto, os dados demonstram que há incompatibilidade entre as regras de conteúdo local e os modelos reais de contratação, o que reflete na paralisação de projetos.

O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Petróleo (Abespetro), José Firmo, também apontou prejuízos causados pelas regras de conteúdo local dos contratos antigos. Segundo ele, desde 2013 o país perdeu cerca de 500 mil postos de trabalho no setor de óleo e gás, o que demonstra que “um dos principais objetivos do conteúdo local está negativamente sendo afetado”.

Já o presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Alberto Machado, afirmou que a retroatividade das regras irá prejudicar a cadeia produtiva. Ele enfatizou que “o concessionário aceitou os conteúdos locais que estavam no edital” e que “essa retroação vai promover o fechamento de muitas fábricas”.

Fonte: G1