Os avanços e desafios da Hidrografia no século 21
Se navegar é preciso, como diz o trecho de um dos poemas mais famosos do português Fernando Pessoa, nada melhor que seja de uma forma segura e tranquila. É a Hidrografia que viabiliza a segurança da navegação e, pouco a pouco, tem tido um papel fundamental para qualquer um que deseja se aventurar por mares e rios. Ao longo dos anos, os estudos hidrográficos foram ganhando um caráter multidisciplinar, incorporando diversos conhecimentos técnicos e científicos.
Essa evolução não seria alcançada sem o profissionalismo e dedicação dos hidrógrafos, profissionais com ativa participação nas pesquisas marítimas e fluviais e responsáveis por uma navegação mais segura. Nesta quarta-feira (28), o dia é dedicado a eles, cuja atuação tem ampliado a qualidade das informações e serviços prestados aos navegantes.
Assim, a Agência Marinha de Notícias conversou com o Diretor de Hidrografia e Navegação, Vice-Almirante Renato Garcia Arruda sobre a hidrografia e os seus desafios.
Quais são os principais avanços da Hidrografia nos últimos anos?
Ao longo dos anos, uma série de áreas acadêmicas foram sendo incorporadas ao cabedal de conhecimento dos Hidrógrafos, incluindo disciplinas de cursos de formações de outros profissionais, como os cartografia, meteorologia, oceanografia, geologia, dentre outros, conferindo à hidrografia um caráter multidisciplinar e proporcionando avanços em diferentes segmentos.
A utilização de modelos numéricos computacionais e de um Núcleo de Previsão Numérica do Tempo, com servidores de alto desempenho, tem proporcionado avanços na área da meteorologia marinha. Na cartografia, a produção de cartas náuticas eletrônicas e sua adequação aos novos formatos internacionais têm incrementado a confiabilidade das informações. A navegação incorporou elementos digitais, associados ao conceito de navegação aprimorada, o “e-Navigation”.
Os auxílios à navegação evoluíram, adquirindo maior confiabilidade, resiliência e integridade das informações. Como resultado das tarefas realizadas pelos Hidrógrafos, a sociedade tem recebido produtos confiáveis e de reconhecimento internacional, por meio das cartas náuticas, dos auxílios à navegação, das publicações e normas para a navegação e das previsões ambientais.
A comunidade marítima passou a acompanhar com mais frequência as previsões meteorológicas e oceanográficas, em especial os avisos de mau tempo. Os avanços na hidrografia são contínuos e demandam um esforço diuturno para manter-se atualizado com a evolução tecnológica inerente a essa atividade. Conforme citado na Canção do Hidrógrafo: “Restará sempre muito o que fazer…”
Quais os desafios a serem superados pela Hidrografia brasileira?
Os avanços tecnológicos ampliam os ramos de conhecimento associados com as atividades hidrográficas, proporcionando oportunidades e novos desafios aos nossos Hidrógrafos. Dentre os desafios, destacam-se: a manutenção dos meios navais; a atualização dos equipamentos e do parque computacional; a atualização dos produtos e sua adequação aos padrões internacionais; e a formação e capacitação do pessoal.
Tais desafios são contornados por meio dos programas de manutenção dos meios, planejamento para aplicação de recursos financeiros, participação em conferências e fóruns hidrográficos internacionais e da constante revisão dos planos de capacitação de pessoal e dos currículos dos cursos.
Quais estudos são destaques nos últimos anos no mapeamento de mares e rios brasileiros?
A Amazônia Azul, cada vez mais, adquire importância na oceanopolítica por dispor de uma grande quantidade de riquezas e, também, porque a maior parte do comércio é realizada por meio de mares, rios e oceanos. Assim, os estudos realizados são voltados ao conhecimento de suas características, bem como o desenvolvimento de ferramentas que incrementem a segurança da navegação.
Neste contexto, temos a constante melhoria na produtividade das análises dos levantamentos hidrográficos realizados na Amazônia Azul e águas interiores, bem como nas análises de projetos de estabelecimento, alteração ou cancelamento de auxílios à navegação. Os principais estudos em andamentos são aqueles relacionados com a manutenção dos instrumentos náuticos, a operação dos faróis, o levantamento de dados geoespaciais, os serviços de impressão dos produtos náuticos, além da disseminação de informações meteoceanográficas. Além disso, planeja-se a modernização da Rede de Estações de Referência Diferencial do Sistema Global de Navegação por Satélite (DGNSS) e o aprimoramento dos produtos hidrográficos em apoio ao Poder Naval.
Destacam-se, ainda, os levantamentos hidrográficos e o apoio logístico realizados na longínqua Antártica, defendendo os interesses brasileiros além de nossa Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Ademais, temos conduzidos levantamentos hidrográficos e pesquisas na Elevação de Rio Grande, para melhor embasar as argumentações dos nossos “Bandeirantes das Longitudes Salgadas”, na busca por ampliar a extensão da nossa Amazônia Azul, junto à Organização das Nações Unidas.
Quem são os principais beneficiários dos serviços da hidrografia?
Quando se pensa em hidrografia, muitas pessoas lembram apenas de cartas ou publicações náuticas. Em que pese ser verdade que os serviços hidrográficos são os responsáveis por tais documentos oficiais essenciais para a segurança da navegação, a gama de usuários dos produtos e serviços da hidrografia é muito mais abrangente e vai muito além da comunidade marítima e dos meios navais.
A hidrografia é crucial em muitas atividades, tais como exploração de recursos marinhos, proteção e gestão do ambiente, delimitação de fronteiras marítimas, infraestrutura de informação espacial marinha, atividades de esporte e recreio, defesa e segurança marítima, modelos de inundações e enchentes, gestão da orla costeira, turismo, ciências do mar, dentre outras.
Sem a hidrografia, os acidentes no mar seriam mais frequentes, com perda de vidas e poluição do ambiente, operações de resgate e salvamento seriam mais difíceis, não haveria instalações offshore, cabos submarinos, gasodutos ou plataformas de petróleo, nem portos seguros, rotas seguras de navegação, o tráfego marítimo diminuiria e, consequentemente, o comércio internacional, as fronteiras marítimas não seriam implementadas com rigor necessário, resultando no aumento de conflitos. Em resumo, toda a sociedade é beneficiada, direta ou indiretamente, pelos serviços da hidrografia e sem essa atividade a vida seria muito mais difícil.
Como é a profissão do Hidrógrafo?
Os desafios da profissão estão alinhados com os desafios da Hidrografia. Assim, eles envolvem cuidados diários com os navios e seus equipamentos, com serviços de manutenção programadas, busca por atualização profissional e acesso à divulgação de novas ferramentas ou procedimentos que venham a introduzir modificações na condução das atividades hidrográficas, incluindo intercâmbios com outros serviços hidrográficos.
Os trabalhos destes profissionais, que se dividem em “atividades de campo” e “atividades de gabinete”, geralmente são executados por pessoal que serve embarcado nos navios hidrográficos. Por se tratar de coleta de dados geoespaciais, o local de execução depende do tipo de informação que se busca. Como exemplo, dados batimétricos, oceanográficos, geológicos ou meteorológicos marinhos são majoritariamente adquiridos no mar. Por sua vez, dados topográficos, de contorno de costa, de maregrafia, de controle geodésico, são obtidos em terra.
No início da carreira, este profissional trabalha mais na coleta e análise de dados ambientais, estando embarcado. Com o amadurecimento profissional, passa a atuar em terra na análise e controle de qualidade de dados ambientais ou sinalização náutica, embarcando ocasionalmente. As nossas comissões já foram tão longas quanto um semestre, mas a evolução tecnológica, incluindo correções diferenciais de posicionamento GNSS e equipamentos de registro automático trouxeram celeridade, reduzindo os levantamentos hidrográficos para uma escala de um conjunto de semanas.
O grande diferencial da profissão é a interação com o meio ambiente. Para garantir a segurança da navegação, o Hidrógrafo possui uma ativa participação nas pesquisas relacionadas ao mar. Ele precisa entender e respeitar o mar, vislumbrar o comportamento das ondas, a direção do vento, observar a direção das correntes, ter um olhar diferenciado em locais em que as ondas geram espumas, observar as características únicas do local a ser estudado para poder configurar seu equipamento da maneira correta e obter dados de qualidade. Enfim, cabe a ele desvendar os segredos do mar, para, ao final de seu trabalho, entregar um produto confiável para a sociedade.
Em termos de habilitação, nossos Hidrógrafos, de ontem, de hoje e de sempre, precisam estar atualizados em relação aos novos equipamentos e tecnologias que, cada vez mais, permitem a realização de levantamentos hidrográficos com maior acurácia e rapidez. Por isso, a Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) tem buscado, constantemente, melhorar a capacitação dos integrantes do Serviço Hidrográfico Brasileiro, nas diversas áreas de conhecimento sob sua responsabilidade.
Como parte da qualificação desses profissionais, durante o curso de formação de Oficiais e Praças Hidrógrafos são realizados estágios embarcados e um levantamento hidrográfico completo ao final dos mesmos, garantindo que eles alcancem a visão integrada necessária para nossas atividades, proporcionando melhores condições para acompanhar a evolução das ciências de interesse, ampliando a qualidade das informações e serviços prestados aos navegantes, e oferecendo maior capacidade de argumentação aos Hidrógrafos, para defenderem os interesses brasileiros nos fóruns e organismos internacionais.
A data em que se homenageia a profissão retratada nesta entrevista é o dia 28 de setembro – Dia do Hidrógrafo, em deferência ao aniversário de nascimento do Capitão de Fragata Manoel Antônio Vital de Oliveira, Patrono da Hidrografia Brasileira.
Fonte: Agência Marinha de Notícias