Seca na Argentina motiva alta de grãos e 'destrava' o mercado de soja no Brasil

Seca na Argentina motiva alta de grãos e ‘destrava’ o mercado de soja no Brasil

A escassez de chuvas em importantes regiões produtoras da Argentina abriu uma janela de oportunidade para os produtores brasileiros de soja. Com a alta de preços internacionais e domésticos motivada pela seca no vizinho, a comercialização do grão foi acelerada no Brasil nas últimas semanas depois de um longo período de lentidão. Com isso, estoques acumulados com a colheita recorde da temporada passada (2016/17) têm sido desovados e negócios com a safra que está sendo colhida agora – e que novamente será robusta – ganharam força.

Embora as intempéries argentinas tenham começado em novembro, ainda durante o plantio da safra 2017/18, seus reflexos sobre as lavouras de soja e milho começaram a ficar mais nítidos nas últimas semanas. E, aparentemente, os problemas são maiores do que se imaginava. Para a produção de soja, estimativas que inicialmente chegaram a sinalizar 57 milhões de toneladas já foram reduzidas para 47 milhões. No caso do milho, são esperadas atualmente entre 35 milhões e 37 milhões de toneladas, ante as até 42 milhões projetadas durante a semeadura.

Como já informou o Valor, o governo argentino calcula que, por causa dessas quebras, as perdas dos agricultores do país poderão alcançar cerca de US$ 5 bilhões. Afora os problemas provocados às exportações, justamente o fator que vem oferecendo sustentação às cotações de soja e milho no mercado internacional. Muitos analistas ponderam que tais perdas não são suficientes para gerar desequilíbrios entre oferta e demanda globais, já que os estoques de milho e soja são confortáveis. Mas, como as cotações de ambos recuaram de forma expressiva nos últimos anos, o “fator Argentina” também tem servido para alimentar apostas especulativas.

Na bolsa de Chicago, onde ontem não houve pregão por causa de um feriado nos EUA (Dia do Presidente), os contratos de segunda posição de entrega da soja em grão acumularam até sexta-feira altas de 2,53% em fevereiro e de 7,36% neste ano. As valorizações do farelo de soja são ainda mais expressivas: 10,1% e 18,69%, respectivamente, segundo o Valor Data. No caso do milho, as altas nas mesmas comparações chegaram a 1,49% em fevereiro e 4,46% em 2017.

A Argentina é o terceiro maior país produtor e exportador de soja em grão do mundo – a produção é liderada por EUA e Brasil, nesta ordem, e as exportações por Brasil e EUA. No segmento de farelo de soja, os argentinos são os segundos maiores produtores, atrás dos EUA, e encabeçam as exportações. No mercado de milho, ocupam a terceira posição no ranking dos exportadores. Em razão desse protagonismo, os fundos especulativos que atuam em Chicago aproveitaram as incertezas sobre as safras da Argentina e ampliaram suas apostas na alta de soja nos próximos dias.;

Segundo dados divulgados pela Comissão de Negociação de Futuros de Commodities (CFTC), na semana encerrada no dia 13 os gestores de recursos (“managed money”) inverteram a mão, deixaram as apostas na queda de preços da soja de lado e fecharam o período com saldo líquido comprado de 42.869 papéis. No mercado de milho o saldo continuou vendido, mas 87,2% menor que o registrado na semana imediatamente anterior (10.614 papéis).

Essa mudança de humor no mercado internacional já se reflete no Brasil. O indicador Esalq/BM&FBovespa para a saca de 60 quilos da soja negociada no porto de Paranaguá (PR), acumula alta superior a 4% em fevereiro, um pouco maior que a do indicador para a saca de milho. No mercado do cereal, a valorização, que também embute previsões de safra menor que a esperada no Brasil ainda gerou poucos efeitos práticos na dinâmica de compra e venda que vinha sendo observada. Mas no mercado de soja a alta serviu para destravar um pouco as negociações.

“Como o preço da soja melhorou, notamos uma aceleração das vendas por parte dos nossos produtores cooperados. Tanto dos grãos da safra passada ]2016/17] que ficaram nos armazéns quanto da produção que está sendo colhida agora”, disse na sexta-feira ao Valor José Aroldo Gallassini, presidente da paranaense Coamo, maior cooperativa agropecuária da América Latina. E isso apesar de a colheita continuar atrasada na área de atuação da Coamo e no país.

Conforme a consultoria AgRural, no Paraná a colheita alcançou 5% da área cultivada, 18 pontos percentuais abaixo da média dos últimos cinco anos para o período. Em todo o país, chegou a 17% da área, dois pontos abaixo da média. A produção nacional de soja deverá somar quase 112 milhões de toneladas neste ciclo, de acordo com a Conab.

Fonte: Valor