“Subsídio a combustível fóssil é ineficaz”, diz ex-chefe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma)

“Subsídio a combustível fóssil é ineficaz”, diz ex-chefe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma)

“Agir na mudança do clima é agir em desenvolvimento sustentável. Não é separado de agir em energia, desigualdade ou redução da pobreza” resume o alemão Achim Steiner, à frente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento desde 2017. O Pnud tem orçamento de US$ 7 bilhões, atua em 170 países e assina o e assina um vídeo climático que se tornou sucesso instantâneo – o que apresenta Frankie, um dinossauro que entra na Assembleia-Geral da ONU e diz aos humanos: “Não escolham a extinção”. “Se o mundo não ajudar a África – onde viverão duas bilhões de pessoas em 2050 – a ter mais infraestrutura limpa e energia renovável, todo o resto será irrelevante”, alerta Steiner.

Steiner, que chefiou o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) por dez anos, diz que o mundo perdeu muito tempo para enfrentar a crise climática, que o Acordo de Paris é viável, que os jovens cobram os pais sobre a questão em cada família e que os compromissos climáticos dos países (as NDCs) conectam economia ao clima. “Estamos no limiar de uma revolução na maneira como conduzimos nossas economias”, disse ao Valor em entrevista virtual desde seu escritório em Nova York, nos últimos minutos da COP26. A seguir alguns trechos:

A COP na pandemia
Estamos no meio de uma pandemia, foram necessários esforços extraordinários para esta COP acontecer. Trazer o mundo todo para Glasgow, e ter mais de 100 líderes na Cúpula, é um reflexo de como a mudança do clima se tornou um tópico central e essencial. Em segundo lugar, Glasgow foi fundamental porque foi a primeira vez, depois que assinamos o Acordo de Paris, em que todos os países que se comprometeram a rever seus planos e estratégias nacionais, o fizeram, com um nível de ambição maior. Alguns ainda farão isso, mas 3/4 dos países já se mexeram.

Paris é viável
Estamos vendo que o Acordo de Paris é um modo viável de fazer o que a ciência está nos dizendo há décadas, de o que temos que fazer para reduzir emissões. A expectativa para Glasgow era muito alta. Desde que assumi o Pnud estou consciente de que agir na mudança do clima é agir em desenvolvimento sustentável. Não é separado de agir em energia, desigualdade ou em redução da pobreza.

Perdemos tempo
No Pnud investimos recursos e tempo para ajudar 120 países a fazerem sua revisão das NDCs. Este esforço coletivo dá o sentido de que o Acordo de Paris está funcionando, mas muito vagaroso. Temos mais ambição, mas perdemos muito tempo. A segunda expectativa em relação a Glasgow era ver se manter o limite de 1,5° C ainda seria possível. Ninguém saiu de Glasgow confortável em relação a isso, mas poderia ter sido o fim desta oportunidade. Todos irão concordar que ainda há uma pequena janela e que temos chance.

Cofinanciar
O compromisso dos US$ 100 bilhões é o piso do que se está buscando em termos de coinvestimentos. Uso esta expressão de propósito porque muitas vezes, nos países desenvolvidos, há a impressão de que ‘ah, se não dermos nossos pagamentos de impostos para os países em desenvolvimento eles não farão nada’. Isso é uma distorção. Países em desenvolvimento já estão tendo que gastar centenas de milhões de dólares em energias renováveis, adaptação e transportes. O mundo desenvolvido tem dar um passo adiante e ser um coinvestidor nesta transição global.

Compreensão social
Em 2021 estamos na iminência da transição energética depois de 200 anos de industrialização baseada em combustíveis fósseis para uma economia baseada na descarbonização. Isso tem implicações gigantes. Não só na transição dos setores, mas também há países que dependem de carvão em 60% a 70% de sua geração elétrica, há questões de transição justa. Temos enormes desafios nos transportes, em tecnologia, temos que repensar a rede de transmissão, o aquecimento e resfriamento dos edifícios, a produção agrícola. Porque estes são os motores das emissões de carbono. Isso requer enormes mudanças na infraestrutura, no perfil dos investimentos e na compreensão social de não tornar os pobres vítimas disso. Temos que assegurar uma transição inclusiva e igualitária.

Centro da economia
Perdemos tempo demais. Em nove anos temos que conseguir reduções de energia que são extraordinariamente desafiadoras. Para fazer isso rápido cada país tem que rever suas políticas e estratégias. As NDCs são uma maneira de conectar o clima aos orçamentos e planejamentos nacionais. É o coração das nossas economias. Estamos no limiar de uma revolução na maneira como conduzimos nossas economias.

Ficção científica
Em 1992 se pensava que mudança do clima era ficção científica. A ideia de que tínhamos de repensar a economia e trabalhar junto com 193 nações parecia impossível. A primeira COP foi em 1995 e a jornada foi difícil. Em 2021 estou surpreso em ver que, no meio da pandemia, tivemos uma aceleração em ação e ambição climática. Agora a Europa mobilizou bilhões de euros para o Green Deal, os EUA, trilhões de dólares para um pacote de estímulo e transição energética, a Índia anunciou 500 GW em infraestrutura renovável até 2039, a China terá o pico de suas emissões antes de 2030 e em Glasgow, apesar da tensão geopolítica, anunciou um acordo com os EUA para mandar um sinal de que reduzir em 1,5° C é o caminho certo a seguir.

O lado bom das COPs
A mudança do clima chegou. Vamos lembrar das horrendas imagens que vimos ao longo deste ano e que se esperava ver no fim deste século. Está aqui, é extremamente dolorosa, é cara. Acho que há uma enorme pressão para agir. A boa coisa destas conferências climáticas é que, ano após ano, as COPs forçam os países a vir à mesa e sob os holofotes da atenção global, mostrar que fazem parte de um esforço mundial. Infelizmente estamos em um mundo muito desigual.

Eleitores de amanhã
Os países em desenvolvimento, corretamente, vão às COPs e dizem ‘não somos os principais causadores disso, estamos na linha de frente dos impactos, e é justo que o mundo rico cubra alguns dos custos do que estamos enfrentando’. Acho lamentável, quando se pensa na constante pressão para que se aumentem os níveis de ambição, que os países desenvolvidos até agora não tenham reconhecido a mesma lógica para o financiamento. Na pesquisa do Pnud com mais de um milhão de pessoas no mundo, sendo milhares de jovens, nota-se que 67% deles, incluindo brasileiros, dizem que a mudança do clima é uma emergência. São os eleitores e empregadores do amanhã. Creio que veremos uma curva exponencial de mudança nos sistemas energéticos e descarbonização.

Debate em toda família
Em todos os países a mudança do clima não é o único assunto. Mas está cada vez mais no centro do debate. Muitos, nos países em desenvolvimento, experimentaram o que a mudança do clima significa. Um furacão de algumas horas no Caribe pode destruir 30% do PIB, 80% da infraestrutura. São cataclismas que também estamos vivendo nos países ricos, disrupções gigantes na economia. Pessoas no mundo todo reconhecem a mudança do clima como uma ameaça existencial ao futuro. Jovens começam a questionar a geração de seus pais em algo difícil de explicar. Por isso vemos não apenas raiva nos jovens, mas um debate ocorrendo em todas as famílias e nas comunidades ao redor do mundo.

Crítica ao net-zero
É um reconhecimento da maioria dos países que o futuro tem que ser de baixo carbono. Mas o importante economista John Maynard Keynes disse “no longo prazo estaremos todos mortos”. Para termos uma chance de net-zero em 2050, o que acontece nos próximos anos, até 2030, faz muita diferença. Precisamos reconhecer os compromissos net-zero pela sua importância, mas se os países não agirem serão promessas vazias e há cidadãos processando seus governos por isso.

Fonte: Valor