Transferência de riscos marítimos: o que aprendemos com o acidente de Baltimore?

Transferência de riscos marítimos: o que aprendemos com o acidente de Baltimore?

Em 26 de março de 2024, o navio porta-contêineres Dali colidiu com a ponte Francis Scott Key, em Baltimore (EUA), colapsando a estrutura e deixando 6 mortos. O incidente causou perdas estimadas na ordem de bilhões de dólares, que incluem danos à infraestrutura, custos de remoção de destroços, impacto econômico no porto e nas cadeias de abastecimento – as atividades do Porto de Baltimore foram restabelecidas somente no dia 10 de junho.

Passados alguns meses da tragédia, a dificuldade em mensurar o valor exato dos prejuízos e atribuir responsabilidades pelas perdas ainda levanta debates sobre prevenção e mitigação de riscos marítimos e hidroviários no mundo todo – inclusive no Brasil.

Histórico de incidentes marítimos no Brasil merece atenção
Recentemente, em novembro de 2022, um navio graneleiro que estava ancorado na Baía de Guanabara desde 2016 foi levado pelo vento e bateu na estrutura da Ponte Rio-Niterói. Os acessos ficaram fechados por 3 horas.

Incidentes semelhantes já aconteceram, pelo menos, outras 3 vezes no local e o risco de novas ocorrências é grande, já que a Baía de Guanabara se tornou um cemitério de embarcações abandonadas em estado de deterioração avançada.

Já no estado do Pará, a Ponte do Rio Moju desabou após o impacto de uma balsa em 6 de abril de 2019. Os transtornos e prejuízos foram ainda mais graves: a queda comprometeu a cadeia de abastecimento, isolou comunidades e dificultou o acesso a serviços essenciais, afetando drasticamente a qualidade de vida na região por meses.

Transferência de riscos: quem pode assumir o prejuízo?
Todos esses acidentes chamam atenção para a necessidade de melhorias na segurança marítima e na infraestrutura de apoio à navegação próxima a grandes pontes e portos movimentados. Para além da prevenção, uma estrutura de transferência de riscos adequada ajuda a mitigar os impactos financeiros enquanto as investigações e processos legais determinam a responsabilidade pelo acidente.

O papel dos seguros para embarcações
Tradicionais no mercado, os seguros para embarcações estão organizados em duas modalidades principais:

O Seguro de Casco e Máquinas cobre prejuízos por perdas e danos que atinjam qualquer tipo de embarcação ou equipamento que opere na água, inclusive lucros cessantes. Danos a pessoas (morte, doença e invalidez) são situações previstas em coberturas específicas.

O Seguro de Responsabilidade Civil cobre danos materiais e corporais causados a terceiros. É mais abrangente no sentido de cobrir diversas situações em que o operador da embarcação pode ser responsabilizado, como colisões com outras embarcações, danos a instalações portuárias, tripulantes, pessoas em terra, ou mesmo poluição acidental.

Há também o Seguro Obrigatório DPEM (Danos Pessoais causados por Embarcações ou por suas cargas), que voltou a ser comercializado em 1 de julho de 2024 e prevê limites para danos pessoais de R$ 2.700 a R$ 13.500.

Importante destacar que, em geral, as coberturas de danos a terceiros é limitada pelo valor máximo estabelecido na apólice – e este pode ser insuficiente em grandes incidentes como o de Baltimore. Se os custos forem excedidos, a empresa proprietária do navio acaba sendo responsável pelo pagamento da diferença.

Além disso, a cobertura do seguro depende das circunstâncias do acidente e do cumprimento das condições estabelecidas na apólice. Por exemplo, se o acidente foi causado por negligência grave ou por falha em cumprir as normas de segurança, a seguradora pode recusar a cobertura total ou parcial dos danos.

Mais resiliência com Clubes de Proteção e Indenização (P&I)
Os Clubes de P&I são associações de armadores e operadores de navios que oferecem seguro mútuo para riscos relacionados à navegação. Através de um grupo internacional, fornecem uma rede robusta de proteção que pode manejar sinistros de quase qualquer magnitude, com limites extraordinariamente altos.

Diferente das seguradoras comerciais, os clubes de P&I são organizações sem fins lucrativos. Os membros contribuem com prêmios para formar um fundo comum que cobre sinistros não cobertos pelo seguro de casco e máquinas, como danos ambientais, responsabilidade por carga, danos pessoais a tripulantes e passageiros, colisões com outras embarcações ou infraestruturas.

A abordagem cooperativa e o sistema robusto de resseguros garantem que os interesses dos proprietários dos navios e das partes afetadas sejam protegidos de forma complementar aos seguros tradicionais e obrigatórios – sobretudo o Seguro Obrigatório DPEM, que prevê limites de cobertura muito baixos.

Clubes de P&I pagarão a conta em Baltimore
As autoridades locais querem indenização para cobrir os custos de substituição da ponte e as despesas relacionadas à limpeza, manutenção e interrupção de transportes, além de despesas adicionais com policiais e funcionários públicos e outras relacionadas ao incidente.

Mas, como o navio está registrado no Britannia P&I Club, o clube está lidando com a maioria das reivindicações, enquanto o Seguro Marítimo cobre os danos ao navio.

Assim, apesar da dimensão do sinistro, a proteção financeira do associado é garantida e a estrutura de transferência de riscos se mantém sólida. Para se ter uma ideia, um relatório da S&P Global Ratings divulgado em abril afirmou que o acidente pode custar mais de US$ 3 bilhões e ainda assim prejudicar apenas os lucros das seguradoras.

Fonte: Portos e Navios